17/08/13

Para uma ecosofia da mente. "Have it your way": o vírus do narcisismo "espiritual" das novas gerações

"O idiota puro é o idiota jovem. Com o tempo, torna-se cínico, adquire hábitos esquisitos, sempre à procura do que lhe serve ou lhe rende, em busca de técnicas para obter sucesso e se sentir bem, sereno, de boa saúde e belo aspecto: cristianismo, ioga, dieta macrobiótica, drogas, parapsicologia, psicanálise, etc."
Ernesto Sampaio in ‘Ideias Lebres’, Fenda, 1999, págs 133 a 136. [Publicado no Diário de Lisboa, de 12/6/87.]
Encontrado no Facebook de Teresa Duarte
Ernesto Sampaio descreve, num texto escrito nos anos 80, a geração emergente do emprego precário e dos sonhos idealistas. Sendo muitos deles educados na linha do "bercisismo" narcísico - não são os antigos revoltados (não os entendem, vendo até atraso nessa atitude) -, estes "idiotas" puros sofrem sobretudo imenso ganhando, pouco a pouco com as experiências do cinismo e crueldade neo-liberal, uma capa resistente, cínica, uma máscara com um aspecto sadio e New Age. "Cristianismo, ioga, dieta macrobiótica, drogas, parapsicologia, psicanálise, etc."
E onde está o mal neste narcisismo? Não será algo até de sadio e natural? Não. Antes pelo contrário.
Vejamos. O narcisismo psicológico tem cinco características relevantes:
1. "Requer excessiva admiração"; com isto vem uma extrema "sensibilidade à crítica". Tal crítica "geralmente leva a um isolamento social ou a uma aparência de humildade". Geralmente está associado a um óbvio comportamento em busca de atenção. (...) 2. Um "senso de posse, de irracional expectativa por tratamento favorável e conformidade automática dos outros às suas sugestões e expectativas" é outro traço narcisista. Uma atitude de "as regras não se aplicam a mim" vem com este senso de posse. (...) 3. Acreditam "que são superiores, especiais ou únicos e esperam que os outros reconheçam isso; que deveriam associar-se apenas a pessoas que são especiais ou de um maior status". (...) 4. Outra característica narcisista é mostrar "atitudes e comportamentos altivos e arrogantes". (...) 5. Uma "falta de empatia", isto é, "uma relutância em reconhecer ou identificar-se com o sentimento e as necessidades dos outros".
A última característica, FALTA DE EMPATIA, mostra ser algo de mais amplo, de vírus social. Emerge "pelo desprezo ou raiva contra aqueles que se sentem ofendidos pelas mudanças (...)". Por uma atitude de ortodoxia julgando constantemente os outros
O narcisismo psicológico deixa então de ser um desvio minoritário para, com a perda do sentido da história e a explosão hedonista, se transformar numa autêntica epidemia provocada pelo capitalismo "evoluído" do consumo a todo o custo. Uma nova mobilização onde a guerra decorre dentro de cada um de nós, na forma como somos família e em cada forma de estarmos juntos, na organização do tempo livre e da produção. Já não há propriamente um centro de poder dominando os outros mas antes um controlo difuso, viral mobilizando energia e desejo. Uma sociedade do controlo dentro de nós. Onde o policiamento começa pelo interior criando a forma de vida narcisista e egocentrada.
O problema actual desta forma anormal de viver chamada capitalismo é o facto de ter criado, disseminado viralmente monstros de máscara por todo o lado. Monstros facebookeanos, por exemplo.
E, mais grave ainda, o facto do campo espiritual estar a ser virtualmente invadido por ele. Este narcisismo psicológico com a moda do New Age (Nova Era) passou a ser também um narcisismo espiritual.
"A minha sessão de yoga é para o meu corpo organizado poder mais, gozar mais".
"Quando eu rezo, rezo a mim mesmo". O eu, para muitos, tem se tornado o centro absoluto de valores e preocupações. Tal atitude é uma forma de idolatria, obviamente relacionada aos tradicionais vícios do orgulho e da vaidade, e bem fundada na tentação verdadeiramente antiga: "Sereis como deuses". É claro, a maioria dos narcisistas americanos voltados para si não vai tão longe, mas há uma forte tentação para se aceitar um lema antigo do Burger King: "Have it your way" ("Faça do seu jeito")." in http://ars-the.blogspot.pt/2012/01/baguncando-missa-o-problema-do.html
Na minha humilde opinião, este texto faz um diagnóstico polémico de muitos dos novos jovens portugueses do século XXI, certeiro como a sabedoria dos antigos caçadores. Na "mouche".

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