24/01/13

Diário de um Facebookeano (1) - Ser ou não ser, no facebook, eis a questão.




24 de Janeiro de 2013

Hoje li um testemunho frontal no Facebook. "Ando cansada e desiludida com o Facebook. Revela-se um nicho pouco sério, onde impera a coscuvilhice e a intriguice, repetindo a pequenez da aldeia, onde tudo está à janela para dizer mal do parceiro e julgá-lo. Devia ser um espaço de opinião livre, de discussão franca e aberta, de amizade, de transmissão e partilha de conteúdos interessantes e de cultura (já que as instituições culturais deste país estão a morrer e precisamos de substitutos) e não de denúncia pidesca, sempre que alguém diz a verdade." Maria João Cantinho (24 de Janeiro de 2013).

Relembro muitos testemunhos semelhantes, ao longo dos últimos anos, escritos por pessoas que tomam consciência dos perigos da comunicação nas redes nomeadamente das formas de manipulação e até de agressão verbal, que se podem transformar, quando sistemáticas, em formas modernas de Bullying.

Valerá a pena, tendo em conta estes fenómenos, estar em redes como o Facebook?
 
Penso que, tal como a galáxia Gutenberg, as redes sociais são sobretudo a expressão, alargada, de formas de escrita, formas de vida e de individuação.
 
Será que, devido aos maus escritores e livros péssimos, aos leitores superficiais, eu deveria deixar de entrar nessa rede (uma internet antiga) que são os livros impressos? Ficar reduzido à minha família, ao meu grupo de amigos que encontro no local de trabalho ou no café?

22/01/13

Ecologia da mente: uma nova combinação de ânimo e anima



Devemos incentivar, com o nosso exemplo de vida, nomeadamente nas redes sociais, uma nova combinação colectiva de ânimo e anima, usando as palavras do psicólogo Carl Jung.

Uma ecologia da mente: "ânimo" (animus) para a acção, em si mesma, combinada, ao mesmo tempo, com um tempo de "alma" (anima), um movimento interior, uma dobra que evite a acção sem nexo, perda de energia, luta de egos. Evitar sempre que possível a entropia das emoções fáceis. Seguir os conselhos das mulheres e homens sábios que nos podem ajudar, com a sua experiência viva, a combinar o estado de acção, o "tonal", como dizem os Maias, com a capacidade de criar como "nagual", de imaginar sentindo, novos mundos neste mundo. 

Todas as pequenas micro-acções de ecologia da mente, em todas as redes sociais do planeta, são como gotas num oceano. Se forem milhões, podem mudar (estão a mudar!) o rumo das coisas, a criar um novo mundo. Toda a mudança é colectiva mesmo quando nos parece ser individual. Utilizando as palavras de um escritor, o uruguaio Eduardo Galeano, este mundo, o nosso planeta, está grávido de um outro mundo, um mundo novo, uma utopia viva. Uma gravidez complicada, a acontecer em milhões de pequenas redes sociais, mas essencial para a sobrevivência da mãe-terra.


Entrevista de Eduardo Galeano:

http://www.youtube.com/watch?v=dSCahR30mDA




Versão de 6 de Abril de 2014

16/01/13

Bruno Latour. Uma ecosofia do abismo.




Vou contar-vos uma pequena história para compreenderem a razão que me levou a apaixonar-me de forma irremediável pelo pensamento do antropólogo Bruno Latour. E a considerá-lo como um dos meus gurus em Sociologia, um dos pioneiros do pensamento ecosófico.


Conheci pessoalmente Bruno Latour em 2001 numa Escola de Verão organizada pela Universidade do País Basco. O que me surpreendeu logo nele foi a sua forma de andar. Alto, um pouco curvado, parecia que mirava as pessoas de um outro patamar com alguma compaixão. E a sua forma de andar, passos largos, assemelhava-se à de um camponês. Tinha, ao mesmo tempo, uma forma de estar dentro da sua roupa que parecia dizer: "Eu não pertenço a este mundo académico. Estou aqui talvez por acaso ou com numa missão. Mudar as vossas percepções!". 


Esta intuição foi confirmada pelo que narrarei em seguida. Durante a sua palestra, aconteceu algo que considerei mágico. Que me levou a sentir que estava não perante um académico vulgar estilo racional e muito direitinho, mas antes perante um autentico mestre no sentido mais amplo do termo. Aquilo que os hindus designam por Guru mas sem a conotação negativa que lhe é associada pelos ocidentais. E o que aconteceu que me levou a dedicar-me com entusiasmo, aparentemente talvez excessivo, à divulgação da sua obra? Na sua palestra, num certo momento, Latour deu um murro com muita energia na mesa. Confesso que até aquele momento, estava um pouco distraído sendo apanhado de surpresa. O que o levou a essa atitude aparentemente violenta?


Estava argumentando em torno da sua nova noção de "Coisa-pública" sugerindo um parlamento em que os não-humanos estariam representados. Usava um argumento ecosófico ou de um ecologista profundo: não fazia sentido que sendo a republica o governo da coisa publica, os não humanos não tivessem direito a exprimir-se sendo eles o essencial da "COISA" pública (Res-pública)? Depois alguém na assembleia o contestou, se bem me recordo, com argumentos do tipo: "A sua visão é irrealista, filosofia sem interesse, porque toda a gente sabe que não é lógico introduzir os animais, por exemplo, como membros do Parlamento. E muito menos as plantas ou outros não-humanos. Os seres humanos são os que a isso tem direito porque são racionais".

Latour, na sua resposta usando o gesto físico do "murro na mesa", não apelou inicialmente ao nosso pensamento racional mas antes a algo de tipo ontológico. Com o seu murro na mesa, apelava de algum modo ao plano da consistência referido por Gilles Deleuze e Félix Guattari (1992), ao nosso próprio eu profundo (Self) referido por Carl Gustav Jung, a pré-individualidade de Gilbert Simondon, a nossa percepção pessoal sem recorrer a mediações externas que o legitimariam perante nós.

Latour seguia justamente o conselho de Michel Foucault (1997) na sua "Ordem do Discurso": sair das armadilhas do discurso do poder, do discurso que é mais poder do que saber. Procurar a realidade mesma das coisas, por uma intuição ontológica no seu sentido bergsoniano, um desnudamento essencial. Uma ciência alegre, uma ciência da vida que, como justamente dizia Nietzsche, deve ser Ciência, vontade autêntica de saber sem ser conspurcada pelo método dito cientifico criado no século XIX, uma ciência que deve ser capaz de viver na Vertigem, um termo usado também por Albertino Gonçalves (2009) numa obra recente, na consciência do abismo, uma ciência abismal. Na voz de  Hafez (1996: 244), contra o "'alarido e tagarelice de agitadores' que defendem uma ideia de ciência pura e objectiva se ergue Nietzsche, afirmando que “esses corneteiros da efetividade" são maus músicos. Em suas vozes não se pode ouvir, finalmente, a profundeza da consciência científica — “pois hoje a consciência científica é um abismo” (F. Nietzsche, Para a Genealogia da Moral , III, §23.).

Retomando a nossa história, a intensidade do gesto de Latour, dizendo que a mesa onde estava sentado também fazia parte da coisa pública, criou um silêncio quase de morte. 

Uma sensação de abismo atravessou os presentes que rapidamente se desvaneceu quando Latour mostrou o seu sorriso de menino travesso.



Livros de alguns dos autores citados


Deleuze, Gilles e Guattari, Félix, O que é a Filosofia?, Lisboa, Editorial Presença, 1992.
Foucault, Michel, A Ordem do Discurso. Lisboa, Relógio de Água, 1997.

Gonçalves, Albertino, Para uma Sociologia da Perversidade, Coimbra, Grácio Editor, 2009.

Hafez, Rogério, "Nietzsche.Um “crítico”da ciência ?" in Revista USP, São Paulo, n. 28, Dez. 1995/Fev. 1996, p. 232-244.




Um texto fundamental de Bruno Latour em português:

Latour, Bruno, "Como prosseguir a tarefa de delinear associações?" (Tradução portuguesa do prefácio da edição inglesa de Bruno Latour, Reassembling the social. Introduction to the Actor-Network Theory), Revista Configurações, n. 2. Tradução de J. Pinheiro Neves e Luís de Barreiros Tavares.