08/04/14

"Não é ingénuo acreditarmos que a cidadania digital é possível; o que é ingénuo é pensarmos que isso nos vai cair no colo."

Foto: Público, 12 de Março de 2014


Muitos utilizadores da web e do Facebook estão convencidos que, como os serviços são gratuitos, não há possibilidade de reclamar. Muitos deles pensam que devemos aceitar humildemente o que nos oferecem como um pobre a quem dão uma esmola.

Comentário no Facebook: "Estamos a falar de serviços gratuitos, certo? Não há consumidores, há utilizadores. Não vejo senso em reclamar quando estamos a usufruir de algo gratuitamente. É certo que a empresa faz milhões por outros meios, mas eu nunca dei um tostão a google. Não me vejo no direito de "exigir" suporte técnico. Quanto muito, talvez pedir uma certa assistência." [...] "Eu concordo que possamos reclamar por exemplo da manutenção de um parque público por exemplo (afinal pagamos impostos), ou do acesso à uma certa floresta (a natureza é de todos). Mas neste caso falamos de propriedade exclusiva de uma empresa que decide fornecer serviços gratuitos. Concordo com o envolvimento e sugestões dos utilizadores, mas discordo de sentimentos de revolta por parte dos mesmos por não lhes darem o que querem. A google habituou-nos mal, foi o que foi. [...] Quando criamos um endereço na google estamos a concordar com certos acordos de utilização e sabemos à partida que a qualquer momento podem apagar a base de dados com os nossos mails pois não nos pertencem mas sim a empresa. Claro seria inadmissível, mas é esse o risco que corremos e sabemos bem."

Aparentemente estes argumentos parecem difíceis de refutar. São partilhados pelas grandes corporações que controlam a web. Contudo, se me permitem, há por detrás da "oferta" dos serviços do Google um aspecto que tende a ser olvidado. As empresas usam uma plataforma sem pagarem quase nada (o fundador da web, o britânico Tim Berners-Lee, optou por partilhar o software sem se transformar num milionário como fez Bill Gates; ou como fazem os outros colossos da web como o Google ou a empresa do Facebook com a excepção, entre outras, da wikipedia) obtendo lucros enormes (publicidade, marketing, etc.) com os dados que nós como consumidores lhes fornecemos.

A gratuitidade é uma mentira. Não existem almoços grátis na lógica empresarial. Por esse motivo, a lógica da cidadania do consumidor devia ser implementada na web. A cidadania digital.

A propósito permitam-me esta partilha: "O britânico Tim Berners-Lee, criador da web, apelou aos cidadãos que lutem por manter a World Wide Web "aberta e neutral", através da aprovação de uma espécie de Constituição universal que salvaguarde os direitos de todos os utilizadores." "E para quem pensa que o britânico ainda vive no final da década de 1980, com uma proposta que roça a ingenuidade, a sua resposta não podia ser mais desafiadora: "Não é ingénuo acreditarmos que isso é possível; o que é ingénuo é pensarmos que isso nos vai cair no colo."




in Alexandre Martins, "Tim Berners-Lee quer devolver o controlo da World Wide Web aos cidadãos" Público, 12 de Março de 2014, in http://www.publico.pt/tecnologia/noticia/criador-da-world-wide-web-defende-constituicao-universal-para-direitos-dos-utilizadores-1628038