27/07/14

Somos livres ou escravos quando andamos no Facebook?


Foto: Instalación '24 hrs in photos' de Eric Kessel / GUNNAR KNECHTEL


Somos livres ou escravos quando nos deixamos seduzir pelas redes sociais? 

De um lado, muitos dizem que a rede é um campo de oportunidades. Há como que um deslumbramento perante a magia e as possibilidades da nova tecnologia. Depois, pouco a pouco, começa a surgir a dúvida e instala-se a paranóia. Será que estou a ser espiado e controlado? Será que tudo isto serve apenas para reforçar o controlo planetário das grandes corporações e do capitalismo financeiro? Não será o Facebook (e as outras redes que nos envolvem) uma forma disfarçada de uma nova religião mundial? Sentimo-nos, ao mesmo tempo, ameaçados por um poder gigantesco e impelidos a agir para evitar a perda de privacidade. Um agir que pode fazer-nos cair no mundo da paranóia e da desconfiança.

Como encontrar o equilíbrio entre a Apoteose e o Apocalipse? Como ser capaz de viver sem preconceitos no mundo da complexidade, conhecer esse mundo nos seus lados mais claros e também mais sombrios e simultaneamente dar-se conta do seu carácter profundamente alienante, profundamente religioso, no sentido mais cruel, ao criar cada vez maiores desigualdades entre os humanos?

jpn

"Evgeny Morozov o Luke Dormehl, Edward Snowden o un estudiante holandés, grandes diarios o diversos sitios en la Red han acompañado su emplazamiento con alertas muy contundentes sobre el uso de nuestros datos en Internet y el peligro que ello supone en materia de libertad o de protección. Datos que, dicho sea de paso, no son ofrecidos por el espionaje o la vigilancia de antaño —KGB o Stasi, CIA o FBI, Mosad o Interpol—, sino por nosotros mismos, que vamos desgranando, minuto a minuto, el catálogo de nuestros perfiles para uso y abuso de las compañías comerciales, los Gobiernos y sus agencias de seguridad.
[...] Crece, en fin, una corriente de sospecha, por no decir paranoia, que ha venido arrastrando a un número creciente de individuos que se sienten amenazados y al mismo tiempo responsables de su desprotección [en la red]. Una situación que estos autores consideran irreversible, narrada desde una preocupación que llega demasiado tarde. El eslogan "Internet nos hará libres" parece desdibujarse ante la certidumbre de que, al menos, también nos puede hacer esclavos.
[...] Asimismo, uno sale con cierta confirmación del carácter infalible de Internet; como si la zona pornográfica, rudimentaria, gamberra, kitsch, incluso barroca del sistema no fuera capaz de jibarizarlo y llevarlo a los límites de su legislación o funcionamiento.

Big Bang Data es deudora, entre muchos otros, del paradigma Complexity, aunque se instala en un momento en que el de la Desigualdad (Inequality) está llamado a afianzarse, como puede verse cruzando una calle o en el último libro de Thomas Piketty. Desde esa circunstancia, es muy probable que todos los conflictos se subordinen a esa disparidad que también crece por minutos bajo esa montaña de datos que nos presuponen entregados, de motu proprio, a nuestra dominación."

Iván de la Nuez, "Del Apocalipsis a la apoteosis", in El Pais, 26 de Julio de 2014. http://cultura.elpais.com/cultura/2014/07/24/babelia/1406193545_148939.html

Texto de Iván de la Nuez encontrado no facebook de Jorge Martins Rosa

Os três perigos do Facebook: aceleração voraz, nova cegueira e narcisismo.



"E aqui, ou nos juntamos num redesenho da comunicação ou isto torna-se muito estranho."
Guta Moura Guedes





No facebook, "temos assistido [...] a uma crescente precipitação de opiniões e julgamentos como se subitamente todos nós tivéssemos tornado detentores de uma – qualquer – verdade ou razão." (Guta Moura Guedes) Como ondas ressonantes, os assuntos sucedem-se levando milhares de utentes a comentarem e/ou copiarem "posts" atrás de "posts".

Somos como crianças maravilhadas com o novo brinquedo. Ainda andamos tacteando, ensaiando formas de o usar como num jogo que ainda não conhecemos. Ora, esse jogo, se mal jogado, tem os seus perigos. Falarei dos três que me parecem mais importantes: aceleração voraz, nova cegueira e narcisismo.

1. O perigo da precipitação e da aceleração. Uma "precipitação" de opiniões e imagens tentando sempre ter a última palavra, uma procura ansiosa da aprovação do "outro", uma forma que tende a tornar-se perigosamente narcisista. Ou, nalguns casos, carregada de pequenas invejas não assumidas e frustração. O apelo das imagens e vídeos, da comunicação interactiva leva-nos a uma espécie de delírio comunicativo, a uma aceleração voraz que nos impede de "digerir". De tal forma, que nos expomos a uma perda dramática da nossa privacidade e do nosso tempo de vida. Aliás, segundo muitos especialistas, a privacidade já foi perdida por quase toda uma geração.


"E há uma nova realidade, inexorável: nunca, em momento algum, tanta gente teve tão completo acesso a tudo o que se escreve e regista visualmente, mesmo na maior intimidade, deixando, em paralelo, de dedicar tempo de processamento do que lê ou vê. Ou porque mostramos ou porque somos mostrados, a vida profissional e a vida pessoal e privada mudaram completamente com a internet e com a comunicação digital, wireless e em tempo real ou em tempo mediatizado." (Guta Moura Guedes).


2. O perigo de uma nova cegueira virtual devido à "overdose" diária de imagens. A imagem fotográfica e do cinema "mainstream", pensado para o consumo rápido, transforma-se na solução atraente para se comunicar. A sedução da imagem é ainda um resquício histórico da idolatria no debate antigo dentro da igreja católica. A igreja temia, na idade média, a imagem como sendo fonte de tentações. De alguma forma, partilhava a suspeita de muitos povos não ocidentais que a encaram como fonte de bruxaria no sentido negativo. Mas, no caso da igreja, era o facto de ser fonte de suspeita, de ligação com outras verdades heterodoxas, fonte de pecado. Quando a imagem é pensada como estética e resistência tudo muda de figura. O acto criativo artístico, qualquer que ele seja, é subversivo. O pensamento estético, a sensação estética, sugere-nos uma via nova: usar a imagem deixando-se levar pelo seu carácter "demoníaco", pela sua abertura a outras percepções. De algum modo, podemos dizer que, de algum modo, a Igreja Católica acabou por ganhar a sua aposta na medida em que somos nós agora que interiorizamos essa proibição usando as imagens de forma ortodoxa, instrumental, sem ter consciência da imagem. Vemos cada vez mais rapidamente mas não olhamos. As imagens deixaram de ser olhadas por elas mesmo na sua possibilidade de desmontar as idolatrias, de serem plurais apesar do que se passou em grande parte da arte do século XX. Cada vez mais, as imagens são "vistas" numa cegueira constante fascinados pelas emoções fáceis, pelos modelos aprovados de comportamento "masculinizado" ou louco no sentido de irresponsável (uma loucura suave que funciona como analgésico para suportar a crueldade do mundo real). A disseminação das fotos, do olhar fotográfico referido por  Walter Benjamin e, agora ecrânico, segundo Pedro Rodrigues Costa, acaba por criar uma nova cegueira como se, em certa medida, estivéssemos possuídos por uma religião fanática, por um novo monoteísmo invisível.



3. O perigo da hipervalorização do nosso ego, do nosso narcisismo. De algum modo, é uma civilização infantilizada a que estamos a criar. A que muito dificilmente passará da fase do espelho, do culto do "selfie". As imagens desse tipo disseminam-se por todo o lado. Um ego que muito dificilmente coopera dominado pela lógica da competição cruel.

"Iremos aprender a gerir melhor o que dizemos e partilhamos ou então iremos aprender – o que é mais interessante do ponto de vista evolutivo – a contextualizar melhor, a relativizar e a fazer verdadeiramente o exercício de entender o outro, sem o querer julgar logo à partida ou só pela nossa perspectiva." (Guta Moura Guedes).


Em síntese, para evitar estes três perigos teremos de ser capazes de praticar, aprender fazendo, uma nova forma de cidadania digital, uma cidadania de "resistência" a esta aceleração voraz.








Anexo




Fragmentos do artigo de Guta Moura Guedes que inspirou este texto, "Estamos a comunicar?", Público de 5 de Março de 2014:

"Há uma nova realidade, inexorável: nunca, em momento algum, tanta gente teve tão completo acesso a tudo o que se escreve e regista visualmente, mesmo na maior intimidade, deixando, em paralelo, de dedicar tempo de processamento do que lê ou vê. Ou porque mostramos ou porque somos mostrados, a vida profissional e a vida pessoal e privada mudaram completamente com a internet e com a comunicação digital, wireless e em tempo real ou em tempo mediatizado. 

Mas mais e mais complexo. Acabou também um certo sentido universal, comungado, sobre o significado das palavras, que nos permitia uma base de sustentabilidade comunicacional mínima. Já não partilhamos significados e faltam-nos palavras novas.

Neste aumento do desfasamento de competências entre a emissão e a recepção, estamos a duas velocidades distintas, com a particularidade de nos encontramos embebidos numa voracidade predadora, dada a dureza dos tempos que atravessamos. Voracidade que nubla o pensamento e dificulta a cooperação, a compreensão. Mudou muita coisa na comunicação e nós – temos de o confessar – não conseguimos ainda perceber o quê."

"Quando se comunica abrem-se sempre várias portas à interpretação. Todos nós criámos o nosso próprio Blade Runner a partir do clássico Do Androids Dream Of Electric Sheep? de Philip K. Dick ou a nossa visão sobre a obra de Gerhard Richter. Mas essa, claro, não é a questão de fundo. A questão inicia-se não só na dimensão do que é público mas do que – acima de tudo – não é escrito, falado ou criado com a intenção de o ser ou com a consciência de que público, hoje em dia, significa o mundo inteiro. Todo.

Iremos aprender a gerir melhor o que dizemos e partilhamos ou então iremos aprender – o que é mais interessante do ponto de vista evolutivo – a contextualizar melhor, a relativizar e a fazer verdadeiramente o exercício de entender o outro, sem o querer julgar logo à partida ou só pela nossa perspectiva.

Uma coisa sabemos. Comunicamos no século 21 – globalmente – e interpretamos ainda como se estivéssemos no século 20 – provincianamente. Entender esta nova forma de partilhar informação implica uma maturidade que ainda não temos enquanto sociedade. E aqui, ou nos juntamos num redesenho da comunicação ou isto torna-se muito estranho. Acima de tudo porque penso que não reflecte algo que nos caracteriza como espécie e que nos permitiu – entre outras características – sobreviver e evoluir. Que é a nossa capacidade de genuinamente entender o que nos diferencia e de fazer disso uma força, cooperando."

Guta Moura Guedes, "Estamos a comunicar?", "Público" de 5 de Março de 2014.