14/05/16

Você acha que usa a internet, mas está sendo usado por ela... Entrevista a Bernardo Carvalho, autor do livro sobre a internet "Reprodução" (Companhia das Letras).

Você acha que usa a internet, mas está sendo usado por ela... Entrevista a Bernardo Carvalho, autor do livro sobre a internet "Reprodução" (Companhia das Letras).
"Tive um processo longo de percepção de uma fascistização do mundo, de um jeito ambíguo, porque as pessoas criam o fascismo achando que estão encontrando a liberdade. A internet é libertária, democrática, mas também faz você entregar sua privacidade e se relacionar com corporações como se fossem Deus ou a natureza. Elas dizem: "Você não precisa pagar nada". E você se entrega acriticamente, porque a ideia de não fazer esforço é sedutora. E há o narcisismo, a exposição no Facebook, que pega um ponto central. É perverso, a conquista vai em pontos frágeis da psique, você se sente uma celebridade. Do ponto de vista político, você acha que está usando, mas está sendo usado. O livro expressa esse desconforto.
[...]
A internet "talvez tenha acirrado algo que sempre existiu em potencial. Você não tem privacidade, mas pode ter anonimato, o que permite uma manifestação de imbecilidade sob a proteção do anonimato. Estava incomodado com isso e pensei nesse narrador que representa o ódio absoluto, o anonimato da internet.No livro há uma frase do [filósofo espanhol] Ortega y Gasset: "Todo povo cala uma coisa para poder dizer outra. Porque tudo seria indizível". O personagem tem a informação absoluta, mas nada do que ele diz quer dizer muito. Não adianta você saber um monte de coisas, ser informado na superficialidade midiática sem uma compreensão do mundo. Você só reproduz, não consegue mais produzir.
[...]
Notei um ódio no qual reconheci esse anônimo da internet [protagonista do livro]. O protagonista cita os "colunistas" da mídia, que, nota-se, alimentam o ódio dele. Pensou em alguém específico? Isso resume várias pessoas. É uma grosseria de pensamento, gente que fala como se falasse com crianças. O problema não é ser colunista de direita, é o tipo de argumento primário e fácil de ser derrubado. O negócio é no grito porque é insustentável. E isso produz best-sellers no Brasil. Há uma espécie de inconsequência política que está no discurso desse personagem. A burrice era privada, mas agora é pública.
[...] A literatura passou a ser pautada pelo gosto da média. Mas literatura é reflexão, não só produto de consumo, não só contar uma história. Tem um elemento de rebeldia, de criação. Não sei se incomoda, mas esse livro me deu prazer de fazer e me dá prazer de ler. Há uma coisa engraçada no discurso do ódio.
Não tenho clareza do que o livro representa, mas é algo político como nunca fiz, tem um humor que nunca tive. Sempre fui contra a literatura política, atrelada, mas desta vez tinha uma urgência. O livro não busca uma solução. É uma visão trágica das camadas de possibilidades".
 
Bernardo Carvalho

O duplo vínculo: a ambivalência no facebook

O duplo vínculo: a ambivalência no facebook

O "duplo vínculo" é o cancro da sociedade moderna, do capitalismo, segundo Gregory Bateson, a origem de muitas doenças, de muita auto-culpabilização.
"Vamos a um exemplo: a filha que já tem 20 anos de idade e resolve sair de casa e ir morar sozinha. Ela conta para a mãe e a mãe responde que está feliz por ela ter independência mas, ao mesmo tempo, saem lágrimas dos olhos. A qual mensagem a filha vai responder? A mensagem verbal ou a mensagem corporal? Talvez a filha resolva ter firmeza e sair de casa, mas fica com um sentimento de culpa e ambiguidade". in http://joaopedromeyer.blogspot.pt/2013/02/teoria-do-duplo-vinculo.html

A possível solução para evitar a culpabilização, para matar o mal pela raíz, exige entender a metacomunicação. Ser assertivo. "A única forma de sair de um paradoxo é a meta comunicação. É a comunicação que fala sobre a comunicação. No exemplo da filha, a saída seria ela dialogar sobre as duas mensagens que ela está recebendo e perguntar a qual delas ela deve dar mais atenção."  in http://joaopedromeyer.blogspot.pt/2013/02/teoria-do-duplo-vinculo.html

Foi esta a base, simplificando imenso, da experiência terapêutica de Gregory Bateson. O problema não é de solução fácil quando estas situações têm por detrás anos de dominação e de chantagem afectiva. Ou, no caso extremo, quando são a base de arquétipos inspirados nas sociedades patriarcais.

Ora, esta atitude repete-se milhares da vezes no facebook. É clássica no elogio de uma foto por uma mulher aparentando estar feliz com a beleza da amiga. São palavras cheias de veneno. Mas o pior é quando essas palavras se disfarçam por detrás do "amor" e pouco a pouco abafam a vontade de liberdade e de autonomia do outro.
O pior é quando somos educados por um progenitor que propaga esta doença. Falta de amor positivo virado para a autonomia do outro.
É necessário distinguir muito bem entre culpabilização e sentido pessoal e autónomo de culpa, a consciência dos erros que se cometem. A culpabilização é um veneno insidioso que pouco a pouco nos esvazia. E mais quando não sabemos a sua origem, quando perdemos o contacto com o nosso eu profundo e autónomo.

12/05/16

Três dogmas neo-liberais que bloqueiam qualquer debate nas redes sociais.


Três dogmas neo-liberais que bloqueiam qualquer debate.

1 - Nós não podemos aumentar mais as despesas do Estado porque elas já já estão muito altas. Cuidado com o deficit das contas públicas.
2- Os problemas sociais são muito complexos. O neo-liberal Henry Kissinger costumava dizer aos seus alunos: "as coisas são mais complicadas do que parecem". Resposta de alguns dos seus alunos: "As coisas parecem mais complicadas do que aquilo que na verdade são" (citação de John Ehrenreich).
3 - Nós não queremos mais governo. O Estado-Monstro ameaça a liberdade da iniciativa privada. Deve-se favorecer o empreendedorismo. Quem resolve os problemas sociais é o mercado livre através da criação de emprego.

Estas três crenças estão erradas. Saiba porquê.

"Para começar, temos que desafiar as narrativas dominantes que estão sendo alimentados por praticamente todos os republicanos e, infelizmente, por muitos democratas. Os conservadores insistem dizendo que o nosso problema mais premente é o nosso orçamento desequilibrado.
1. Impostos mais altos onerariam os "criadores de emprego" ameaçando a nossa competitividade internacional, de modo que simplesmente não podemos pagar para expandir ou mesmo manter os programas de governo.
2. Eles também nos dizem que a noção de que os problemas sociais complexos podem ser resolvidos pela ação do governo é uma tolice.
3. E para os conservadores, o governo grande é o inimigo da liberdade e da prosperidade. Eles insistem que não é o o governo, mas mercado livre que resolve os problemas sociais, e que os únicos objetivos legítimos de política pública são promover o crescimento e servir as necessidades das empresas.
Essas narrativas são todas falsas. Os mesmos opositores que nos dizem que a ação do governo é ruim, estão de acordo para intervir em nome de seus patrocinadores corporativos - para bail-outs, isenções e brechas fiscais. Se os impostos são aumentados para deixar o programa Medicare subsidiar um excedente alto salário do CEO de um grande hospital, ou para permitir que uma empresa farmacêutica faça lucros grandes e estranhos, ou para deixar o Departamento de Defesa pagar US $ 500 por um martelo, então sim, os impostos são muito altos. Mas, se os impostos são elevados para lhe fornecer água potável, ou para protegê-lo contra a insegurança do desemprego, você experimenta um ganho e não sofre uma perda. Apesar do refrão conservador acerca de os americanos terem impostos muito altos, é preciso dizer que os Estados Unidos têm uma das mais baixas cargas de impostos em todo o mundo. Como Oliver Wendell Holmes Jr. disse uma vez, "os impostos são o que pagamos para viver numa sociedade civilizada".

Mas a esquerda também tem mitos que devem ser desafiados. Se acreditamos que o interesse próprio - auto-interesse económico e grupo de auto-interesse - é tudo o que há para a política, estamos muito enganados. As pessoas também procuram a segurança e a estabilidade, uma sensação de empoderamento, uma fé em que a comunidade vai ajudar a cuidar de si, se você precisar de ajuda, uma narrativa coerente acerca sua própria experiência e da sua comunidade, a necessidade de afastar os sentimentos de inveja e vergonha, algo em que acreditar, o orgulho na tradição e na nossa história. A esquerda deixou os "Donald Trumps" do mundo inteiro surgirem como parecendo campeões dessas necessidades, e se os progressistas não atenderem a essas necessidades, eu temo o que está por vir.

A mudança acontecerá quando as pessoas exigirem transformações. Temos de apoiar os movimentos desorganizados e indisciplinados que trazem a mudança, a transição. Isso é democracia.”

"Third Wave Capitalism: An Interview with John Ehrenreich"
http://www.huffingtonpost.com/fixcapitalism/third-wave-capitalism-an-_b_9880642.html
[Tradução livre de José Pinheiro Neves]