28/02/14

O ambientalismo: o novo ópio do povo?

 
 
 

O ambientalismo, na sua versão light ou "MacDonald", tende cada vez mais a ser o novo ópio do povo, um dos sustentáculos da religião adoptada pela maioria do mundo ocidental sob a batuta das agências de marketing e de publicidade.
 
"O ambientalismo já não pensa a forma de salvar o meio ambiente. Pensa, em vez disso, na forma como num mundo desenvolvido, se pode salvar o nosso estilo de vida" (Llewellyn Vaughan-Lee).
De algum modo, a religião da "mercadoria" tende a travestir-se cada vez mais com a linguagem e os rituais da ambientalismo "soft", usando e abusando do conceito de sustentabilidade (Llewellyn Vaughan-Lee). Pretende-se mudar algo para que tudo continue, no essencial, na mesma. Como diz o povo, "a merda é a mesma, as moscas é que mudam."

Está na hora de, tal como Karl Marx fez no século XIX, denunciar esta forma de capitalismo ecologista e cultural que nos entra pela nossa casa a toda a hora. Apenas uma acção ecosófica permanente e concretizada em projectos alternativos, baseados num respeito autêntico pela mãe-terra, poderá parar esta hecatombe da bioesfera e do planeta no seu todo.

É urgente uma nova ecologia espiritual militante que não tenha receio de ir às raízes da crise.

"Esta crise ambiental é cada vez mais visível e imediata e é a maior ameaça para o futuro da humanidade e da saúde do planeta. E, no entanto, é apenas um sintoma de uma crise muito mais profunda, cujo perigo passa despercebido, mesmo estando na raiz da tragédia ambiental: a crise espiritual causada por um esquecimento profundo do valor sagrado da criação”.

in Llewellyn Vaughan-Lee, "Spiritual ecology"

25/02/14

Pequenas dissertações sobre as angústias dos humanos perante a evolução tecnológica

Pequenas dissertações sobre as angústias dos humanos perante a evolução tecnológica: a propósito do livro "Dilemas da civilização tecnológica" [1]

Sílvia Mota Arada
Esser Jorge de Jesus Silva

1. Intromissões tecnológicas
No momento em que se inicia este texto, mesmo ali ao lado, na sala, um genérico de uma distribuidora de filmes ecoa uma sonoridade há muitos anos conhecida das salas de cinema. Inevitavelmente a figura de um leão povoa a mente do objecto deste som. De tal forma está presente a associação do som com a sala do cinema que, este escrevedor, por momentos de indefesa racional, sentiu-se não no escritório da sua casa mas à porta de uma sala de cinema momentos antes do início de uma sessão fílmica. A obrigação de entrega de um texto ao professor colocou-o rapidamente na realidade.
Mas não deixa de questionar como foi possível que passados uma vintena de anos, se lhe colocasse em casa um som que, até aí, tinha de ser procurado num local estático, onde centenas (às vezes milhares) de pessoas se juntavam para, em conjunto, orientados para o mesmo fim, à mesma hora, partilhando o mesmo momento, com todas as consequências dele próprio, seja o silêncio, as respirações, os movimentos nas cadeiras.
Ali ao lado, na sala, uma só pessoa, prepara-se para ver um filme. Quando quiser, no momento que quiser, acompanhada com quem quiser, poderá ver outros filmes. No momento que bem entender carregará no comando da televisão suspendendo o andamento do filme. Poderá telefonar a dar o recado que se esqueceu. Irá à cozinha abastecer-se do que quiser para entreter os maxilares. Voltará a sentar-se em frente ao televisor e, carregando no play, colocará o filme a rodar no exacto momento em que Ingrid Bergman dirá “play it again Sam”. Não contente por ter perdido o fio à meada, o espectador voltará atrás para rever a sequência da qual já se esquecera. Finalmente, contente recosta-se no safo e nem se lembra de dar graças à tecnologia que lhe trouxe tão confortável solução para ver cinema em casa. Faz toda a diferença: ontem ia-se ao cinema ver o filme, agora é o filme que lhe chega a casa.
Mais do que o efeito da deslocação, detemo-nos aqui nos efeitos da cada vez maior individualização por oposição à junção de pessoas. Tal é o resultado dos efeitos da criação tecnológica que, sem dúvida, hoje se centra no indivíduo como objecto. Não de trata aqui de conseguir uma maior felicidade individual uma vez que se considera pacífica a ideia que esse foi sempre o ponto de partida da afirmação tecnológica. Trata-se sim da verificação dos efeitos que o incremento tecnológico, aos poucos, vai proporcionando, dirigindo-se directamente ao indivíduo e não se expondo para usufruto de vários indivíduos. Dir-se-á que estamos na presença de uma tecnologia que se esconde numa aparente insignificância de que o humano não se dá conta nas relações várias que vai tendo com a máquina, na medida em que esta, servindo-lhe na resolução dos seus problemas no dia a dia, parece o elemento secundário desta relação. Acompanhando esta questão, ao mesmo tempo que tenta produzir uma resposta, Domingues acha que esta perspectiva é bem mais grave do que o enfeitiçamento da técnica de que falava Adorno, enfeitiçamento que era ideológico e ficava no plano das ideias. Aqui estamos perante o poder real de produzir as coisas e o próprio homem, perante o qual a humanidade termina por sucumbir, impotente, ao ser levada à rendição incondicional ao seu império e ao submeter-se aos seus fins e desígnios.
Mas será tecnologia uma presença inerte que existe exclusivamente para obedecer ao humano? Estaremos nós num processo em que o ser humano tendo adquirido a liberdade que lhe vai sendo granjeada pela capacidade tecnológica, não se entregou a uma dependência orgânica dessa mesmo tecnologia, tendo esta, por conseguinte autonomizado na relação de dependência?
Ivan Domingues é da opinião que a ser assim, estaríamos a caminho então de um estranho final em que com a autonomização da ciência e da técnica, gerar-se-ia o reinado das tecno-ciências, onde a técnica deixaria de ser dominada pelos homens levando a que se processasse o inverso.
É o mesmo Ivan Domingues que propõe o debate e a pergunta: como pensar a humanização da técnica e a possibilidade de devolver o poder da técnica aos homens, num quadro, como o de hoje, em que, aparentemente, tudo parece pior? E não resistindo ao desconforto sustenta a sua ideia, especialmente quando, com a engenharia genética as tecno-ciências, mais do que clones ou réplicas, serão capazes de produzir super-indivíduos mutantes e poderosos, segundo as necessidades da técnica planetária, bem como terão os meios para produzir robôs inteligentes mais poderosos do que os próprios homens, porém ainda assim instalados na imensa cadeia de produção tecnológica.
Pensa assim este autor que “tendo chegado a esse ponto, quando descobrimos que a saída não é e não será fácil, é hora de perguntar o que foi que aconteceu, quando as tecno-ciências com seu poder avassalador deixaram de ser um instrumento e um meio de poder a serviço dos homens e se converteram em sujeito e potência autónoma, engolindo o homem e convertendo-o num objecto e instrumento para seus fins”[2].

2. Novas concepções do homem e da tecnociência
Aliás, a questão em si não é nova. Se convocarmos Laymert Garcia dos Santos (2003) encontraremos praticamente as mesmas questões que podemos em certa medida também considerar como algumas angústias do humano. Para este autor é essencial saber: quais as implicações do avanço tecnológico? Que configurações caracterizam hoje e no futuro o Homem? Novas concepções? Novos pensamentos? Evolução e transformação do ser humano? Quais os limites que realmente balizam a concepção moderna do Homem com o avanço feroz e implacável da tecnociência?
A exposição do homem ao meio ambiente, com todos os aspectos positivos e negativos daí decorrentes, e as consequentes doenças decorrentes do contacto com bactérias, vírus e outros malefícios, despertou desde sempre no homem uma procura incessante por uma solução milagrosa que nos torne resistentes e capazes de nos tornar imunes aos riscos que corremos diariamente.
O homem transformou-se no principal objecto de estudo da ciência e consequente desenvolvimento da tecnologia. Se até aqui o objectivo fundamental era o de proteger a espécie humana (e daí as vacinas, operações, pacemakers entre outros métodos e equipamentos que nos permitam viver mais e melhor), hoje novas formas de pensar vão suplantando a visão moderna de homem pela ideia de evolução do próprio homem, onde se verifica uma desconstrução das concepções tradicionais pela tecnociencia e pelo capital globalizado.
Mas comecemos pela ideia de transformação do homem.
Catherine Walby foca precisamente esta transformação através da exposição de vários projectos, nomeadamente The Visible Human Project (VHP) e Projecto do Genoma Humano, que têm incidido o seu estudo a nível macro (morfologia anatómica) e micro (instruções genéticas que normalmente determinam a morfologia) (respectivamente) sobre a constituição humana.
Em ambos os projectos, os limites do humano como espécie são determinados em bases de dados informacionais, “uma ordenação espacial e gráfica que actua como um arquivo digital, recuperável através de redes computorizadas e legível em estações de trabalho”.Mas segundo Walby, qual é o projecto desses projectos? À primeira vista, estes inscrevem-se numa lógica de medicina moderna cujo objectivo é tratar o homem como espécie distinta e superior.
Contudo, o que se verifica simultaneamente é uma abertura do corpo à instrumentalização, à técnica, uma vez que tanto o VHP e o Projecto Genoma Humano criam arquivos de conhecimento sobre o corpo humano e vão mais longe afirmando que o próprio corpo é um arquivo, “um conteúdo finito, aberto a múltiplas formas de ordenamento e modos de recuperação”. Deste ponto de vista, a concepção moderna do homem é posta em causa, assumindo-se uma nova perspectiva em relação ao homem, ou melhor, ao pós-humano.
Donna Haraway define a tradução do corpo humano em base de dados como “virada cibernética”. Este conceito remete-nos para as relações híbridas entre homens, máquinas, seres vivos e seres inanimados pondo em causa a própria natureza humana e até o próprio futuro da espécie, não do ponto de vista da sua destruição mas antes da sua superação.
Todavia, este envolvimento próximo entre homem e máquina tem levado a várias reflexões dentro das Ciências Sociais e Humanas.
Uma das primeiras abordagens foi formulada pelo hacker, Bill Joy. Segundo este autor, o futuro da espécie humana será a sua extinção. A visão pessimista de Joy da relação entre homem e máquina, surgiu num encontro casual com Ray Kurzweil onde afirmou que “num futuro próximo os homens iam se tornar em robôs, ou se fundir em robôs”. Mas o que aconteceria caso máquinas inteligentes fossem realmente capazes de substituir o homem? Ou a espécie humana ficava à mercê das máquinas, ou o controlo ficava nas mãos de um grupo restrito de homens, controlando a minoria sobre as massas. Em última instancia, nenhuma destas possibilidades se concretizariam caso fosse possível parar o desenvolvimento das máquinas.
Confrontado com as perspectivas de autores como Unabomber (revoltado contra os cientistas) e o líder da robótica Hans Moravec (acreditava na hipótese de que seríamos sucedidos por robôs), rapidamente se apercebeu de que o fim da espécie humana não era uma consequência inesperada mas algo previsível de acontecer, hipótese corroborada com o facto de a robótica, a engenharia genética e a nanotecnologia possuírem capacidade de se auto-replicarem e ficarem rapidamente fora de controlo.
Joy apela assim à necessidade de se estabelecerem limites à evolução tecnológica para que seja mantida a ordem natural da vida. Contudo, esta não é uma ideia partilhada pelos cientistas que defendem o conhecimento e respectivo poder como um valor intrínseco para a humanidade e que portanto, estabelecer limites à sua aplicação é ir contra a própria evolução da espécie humana.
Uma segunda perspectiva diverge em alguns aspectos da abordagem anterior. Defende-se agora, não a extinção da espécie mas antes uma mutação da própria espécie já manifestada com o aparecimento dos cyborgs.
Mas o que é um cyborg? Uma invenção tecnocientífica criada para auxiliar o organismo humano a adaptar-se a condições adversas (como é exemplo as viagens espaciais. O cyborg estabelecia sim uma ligação entre o homem e máquina sem que este envolvimento resultasse numa alteração da espécie. Mas Donna Haraway em 1985 vai mais longe. O conceito de cyborg anteriormente usado sofre alterações de significação; o cyborg mantém a sua condição híbrida entre homem e máquina mas agora o próprio homem é exemplo dessa hibridez. A própria espécie humana incorpora simultaneamente aquilo que até agora era dual: homem / máquina. Esta percepção de Haraway é justificada por várias cisões até então estabelecidas como fronteiras: transgressão da fronteira entre humano e animal; quebra da distinção entre organismo humano e máquina; e o apagamento dos limites entre o físico e o não físico. A metáfora do C3 trazida por Haraway é exemplo disso.
Para clarificar a natureza do homem expõe conceitos que reflectem capacidades humanas como comando-controle-comunicação-inteligência mas que são actualmente atribuídos também à máquina. Assim sendo, a evolução da espécie numa análise política ficcional segue a seguinte linha: macaco-homem-cyborg. Esta consciência de evolução é assim assumida pelo próprio reconhecimento de que ela própria é um cyborg na medida em que:”o coração e a alma da minha própria vida foram modelados por práticas materiais-semióticas através das quais eu me conheço e me relaciono comigo mesma […] enquanto organismo.
Uma terceira variação visa explicar como nos tornamos pós-humano segundo a perspectiva de Katherine Hayles. O pós-humano para Hayles valoriza princípios contrários à concepção moderna do homem. Por um lado, o homem é considerado uma instância de informação mais do que um ser biológico; por outro, a consciência humana é vista como epifenómeno mas é na verdade um acontecimento lateral menor; o pós-humano vê o corpo como uma prótese original que todos aprendemos a manipular; e por fim, o ser humano é concebido para que este possa ser articulado com máquinas inteligentes. O essencial da visão pós-humana é que quebra as fronteiras entre a existência corporal e a simulação de computador. Há uma valorização e inaltação da vida artificial e contrapõe esta à inteligência artificial. Segundo Hayles, «o objectivo da inteligência artificial era construir, dentro da máquina, uma inteligência comparável à do humano.» Sendo assim, a referência deixa de ser o humano e passa a ser a máquina. Uma analogia começa a estar presente. Homem e máquina são ambas vistas como processadores de informação, assim como a evolução da vida e a evolução da computação passam a ser análogos. O que os cientistas pretendem é criar vida para que o organismo construído tenha capacidade de evoluir. Mas de que forma se articula a vida do homem enquanto espécie e a vida artificial?
Segundo Hayles, «os humanos evoluíram através de uma combinação de acaso e de processos auto-organizativos até que atingiram o ponto em que podiam tirar partido conscientemente dos princípios de auto-organização para criar mecanismos de evolução. Eles usaram tal capacidade para construir máquinas capazes de auto-evolução. Entretanto ao contrário dos humanos, os programas das máquinas não são dificultados pelas restrições de tempo impostas pela evolução biológica e pela maturação física. Eles podem processar centenas de gerações num dia, milhões em um ano. Até muito recente, os humanos eram inigualáveis em sua capacidade de armazenar, transmitir e manipular informação; agora eles podem partilhar tal capacidade com máquinas inteligentes. Para antever o futuro dessa via evolutiva basta perguntar qual desses organismos, competindo de diversas maneiras pelo mesmo nicho evolutivo, tem condições de processamento da informação para evoluir mais rápido».
            Um certo terror pela ideia de que o homem se poderá extinguir está implícito nesta afirmação de Hayles. Todavia, a autora racionalmente opta pelo caminho em que a relação entre dois seres inteligentes, homem e máquina, não é marcada pela competição mas antes pela complementaridade dinâmica onde o homem não é mais o único ser a dominar e controlar a natureza.
Segundo Laymert Garcia dos Santos, na perspectiva de autores como Foucault, Nietzsche, Deleuze e Pearson sobre o futuro humano, várias concepções são focadas entre elas a concepção de força, de poder. Para Foucault, poder não é sinónimo de violência mas antes de uma relação entre seres ou objectos com outras forças que a afectam. Nesta relação de forças surge o tema da morte do homem em Foucault e o seu vínculo com o além-do-homem de Nietzsche. É na confrontação de forças do homem, com forças exterior a ele que resultará uma combinação que, pela natureza das forças, poderá “nascer” uma forma não-humana. Assim sendo, a forma–Àlem-do-Homem constituirá o advento de uma nova espécie onde a vida deixa de ser algo que o homem aprisiona para ser liberta em benefício de outra forma.
Mas Pearson perante o avanço tecnológico e a melhor capacidade da máquina responder à evolução, vê ser posta em questão o carácter inumano da supremacia da máquina sobre a expressão da vida. Porque o que se verifica, não é a ideia de extinção do homem mas da «continuidade da vida por outros meios».
Nietzsche e o seu pensamento da forma-além-do-humano despertou em Deleuze um forte interesse sobre o futuro do homem. Todavia, a real profundidade do pensamento de Nietzsche não estava contemplada o acreditar e aceitar a de superação do homem mas antes uma tentativa de retorno àquilo que é humano. Todavia, voltando às origens do homem facilmente reconhecemos que o homem tem sido sujeito a uma evolução que se caracteriza por uma selecção não natural, e portanto, não será tentando buscar as origens do homem, como pretende Nietzsche, que se enfrentará o real problema.
Pearson articula a nova biologia autopoiesis, a capacidade dos organismos maquínicos se auto-regularem, com o que ele designou de “biologia filosófica”. É necessário que se pense na invenção na evolução e não no carácter natural. Os viróides, simbiotas presentes sob a forma de cyborgs estão agora entre nós e dentro de nós. Esta convivência, com a intervenção da engenharia genética possibilitou a evolução criadora do homem, mesmo que isso tenha significado transformar-nos em seres híbridos. «Se consideramos que a vida viróide é um dos meios-chave através dos quais a transferência de informação genética tem ocorrido, então é necessário cultivar a idéia de que há casos em que tal transferência de informação passa de espécies mais evoluídas para outras menos evoluídas, ou que foram progenitores das espécies mais evoluídas»; Uma evolução maquínica surge fazendo desaparecer as fronteiras que separavam o homem da máquina destruindo as identidades que os distinguiam. O homem é desprovido de toda a transcendência e profundidade moral que o caracterizava.

3. Optimistas e pessimistas da tecnologia: duas visões
Quem parece ter enquadrado esta questão numa perspectiva idêntica é Winner (2003)[3]. Antes de tudo, este autor declara abertamente ao que vem a sua teoria. Trata-se de verificar porque motivo a necessidade histórica aparece como razão principal para a aceitação da mudança tecnológica, levando as pessoas a renunciarem ao seu direito de participação. Analisaremos a sua teoria ao mesmo tempo que deixamos discorrer a sustentação.
Com a mudança da tecnologia, tudo o resto segue o sentido dessa mesma mudança como se a tecnologia tivesse uma “chave do destino humano”[4]. Esta constatação é genericamente seguida de declarações da impossibilidade de contradição deste facto, principalmente, na parte em que, inevitavelmente, a tecnologia acelera o ritmo da actividade, dominando “os nossos hábitos pessoais, reformula a ordem social e estimula sonhos exóticos de transcendência”[5].
O autor recorre ao exemplo, cujas previsões indicam que as nossas casas estarão impregnadas de software que tudo saberão ler, ver, interpretar, naquilo que será a melhor solução para cada caso em apreço. Nestas projecções os autores esforçam-se para demonstrar que todas as possibilidades de escolha foram previstas, numa dinâmica que obnibula a mente e se torna impotente, sobrepondo-se a mensagem que não existe esperança de uma intervenção humana na técnica.
Logo após a II Guerra Mundial o debate sobre tecnologia centrava-se num dinamismo tecnológico do mesmo tipo, ou seja, “entre os cientistas sociais e os historiadores havia a visão de que o desenvolvimento e a utilização da tecnologia seguia linear e único”, fruto de uma força “determinante e unívoca” em que os resultados altamente previsíveis”[6], uma noção que permitia “variantes optimistas e pessimistas”[7]
Para os optimistas desenvolveu-se a teoria da modernização, consubstanciada na ideia que todas as “sociedades atravessam etapas de crescimento, ou desenvolvimento, ligadas a uma sofisticação tecnológico”[8] que as impele para o topo da prosperidade, como o verificado na América e Europa.
Os pessimistas centravam a sua atenção no questionar dos benefícios “chamando a atenção para os custos do desenvolvimento da tecnologia moderna para a liberdade humana”[9], nomeadamente devastação do meio ambiente. Jacques Ellul chegou a descrever a evolução como a “megamáquina” absorvedora do melhor do que o homem tem, “minou a capacidade de as pessoas levarem vidas sãs e satisfatórias”[10].
Porém, optimistas e pessimistas concordam que a tecnologia tem qualidades que poderia beneficiar a racionalidade instrumental direccionada para a eficiência.
Nos últimos 25 anos verificou-se um esforço para demonstrar que a tecnologia não é uma “força unilinear e unívoca” e que tal é uma ideia errada, algo que tem sido desenvolvido por cientistas sócias através de uma novas formas de abordar a questão, em geral orientadas para uma “nova compreensão da mudança tecnológica, incluindo o papel do género, da classe, da etnicidade e de muitas outras dimensões culturais”[11]. A este propósito, o construtivismo não tem abordado o social da tecnologia como uma inevitabilidade. Não havendo uniformidade, não pode haver uma megamáquina na medida em que, verificados vários factos históricos se verifica que não há um desenvolvimento tecnológico unilinear, revelando, inclusive “um processo de construção social em permanente desenvolvimento” que envolve variáveis como negociação, conflitos diversos, jogos de poder, compromissos, etc.
Winner entende que não se vislumbra essa força destruidora mas sim um conjunto de opções abertas à diversidade. Apesar disso continua a vigorar a ideia que a tecnologia é autónoma, segundo um determinado curso que estabelece as condições essenciais da vida humana. Desta forma manifesta-se a percepção, cada vez mais forte, que se está a ser arrastado para a mudança incontrolável, afinal, seguindo-se a perspectiva da informática, segundo a qual, “o poder informático disponível num microship é duplicado em cada 18 meses”, conforme determinou a lei de Moore. À tecnologia é assim atribuída a faculdade de funcionar como um catalizador da mudança e do progresso.
Gera-se assim uma espécie de apelo no sentido de se antecipar as mudanças tecnológicas para uma rápida liquidação das formas de agir no presente e imediata reconstrução exótica de novas formas de funcionar, apesar do objectivo não se alterar. Estamos perante uma teoria da evolução reformulada, uma espécie de evolucionismo biotécnico.
Uma vez que parece ser mais compensadora uma tecnológica neobiológica do que “um mundo de relógios, roldanas e simplicidade previsível”[12], temos de nos “entregar a um processo inevitável do mundo por unir o artificial e o biológico”. Qualquer tentativa de limitação só pode ser destrutiva, o que não implica que, à medida que nos aproximámos das décadas de transformação extraordinárias, os líderes polípticos, empresários e intelectuais inclinam-se pouco para o desafio uma vez que projectaram o seu objectivo em processos e resultados que não incluíam este tipo de escolha. Há contudo uma ideologia mais aberta que obriga ao dever de se permitir o funcionamento do mercado, desimpedindo-se o “caminho para permitir que a cornucópia pós-moderna prossiga”.[13]
A ideia de uma mudança tecnológica para todos exclui muitos. Existem problemas levantados por instituições, nomeadamente o fosso exponencial entre ricos e pobres tem como raíz as formas avançadas de mudança tecnológica, manifetando-se em vários campos como a biotecnologia aplicada à agricultura e à medicina.
O autor vê duas questões essenciais levantadas pelo “âmago profundo da tecnologia”[14]: a primeira consiste em “examinar criticamente os projectos de inovação tecnológica existentes que se dão a desenvolver em cada periodo, questionando os fins fundamentais a que perseguem.”[15] A segunda questão é perceber que fins se pretende que tenham os projectos tecnológicos e os vários tipos de políticas tecnológicas”[16].

A presença da invenção tecnológica é uma constante na vida do homem, sendo responsável pela resolução da maior parte dos problemas anunciados. Essa capacidade técnico-científica, sendo cada vez mais presente vida humana, gerou não só uma necessidade permanente, como também criou os optimistas da tecno-ciência. Esta acaba por se tornar superlativa e acelerada na medida em que o humano está a dar lugar ao pós-humano, manifestando-se hoje uma singularidade: dentro de pouco tempo a inteligência da máquina poderá não ser entendida pela inteligência humana.

4. A salvação segundo a aceleração
Num anúncio televisivo da viatura Citroën C4, o automóvel “desfaz-se” da sua forma original para se transformar num ser vivo com aparência simultânea de um humano e de um objecto técnico. Aparentemente ganha[17] vida própria num momento posterior ao transportar pessoas, isto é, depois de executar o seu trabalho. A questão não é só a forma que toma o automóvel, uma brincadeira sempre possível de realizar por publicitários criativos. A questão é todo o contexto em que esta publicidade é construída. Como se se tratasse de um aviso da chegada de uma nova forma de vida que obriga os humanos a reconciliarem-se com um novo elemento sobressaído da técnica.
Queremos aqui ter presente, duas questões: em primeiro lugar, a ideia de que a tecnologia se submete às necessidades do homem, sendo esse o factor primordial da sua existência, questionando se não estaremos perante um prenuncio.
Em segundo lugar a ideia de que um automóvel (ou qualquer outro objecto tecnológico), nos seus tempos livres, também se diverte, ora dançando ao som da música, ora deslizando pelo gelo, em movimentos tão graciosos como se estivéssemos perante um patinador profissional.
Convoquemos um dos anúncios: o carro está parado num parque de estacionamento onde não se encontra mais ninguém. De repente, a máquina recompõe-se refazendo os seus componentes, ganhando não só uma nova forma mas também uma atitude idêntica à de um ser humano. Ao mesmo tempo uma música começa a tocar, provinda do interior do próprio, respondendo a máquina-humana com passos de dança em tudo idênticos à de um jovem dançarino.
Toda a expressividade adquirida do robot assemelha-se às atitudes do indivíduo que sente prazer nos seus movimentos. Os seus actos manifestam felicidade por aqueles momentos, pelos vistos de, folga ao seu trabalho. Assim, sendo também podemos imaginar o robot expressando o sentindo dor, manifestando, a sua “humanidade”. Estaremos desta forma próximos de podermos ser confrontados, na realidade com um “humanóide” deste género. Será tal possível?
O tema da aceleração, apesar de ser uma constante da vida humana, não está ligado a nenhum fim. Condenados a viver na e para a aceleração, inexiste um objectivo (telos) estabelecido para este encantamento, sendo a tautologia, provavelmente, a melhor forma de a explicar: existe porque existe. Por isso, não conseguimos imaginar um ponto final que não seja uma catástrofe global. Porém, Martins encontra outras variáveis de análise, que levam a outra conclusões. Para isso identifica como variedades do acelaracionismo três tipos de estudos na temática da aceleração:
1)      Caminhar para a “aceleração da aceleração”.
Existe uma espiral viciosa consubstanciada no princípio de que é imperativo a existência de um crescimento económico que leva a uma “espiral viciosa” provocadora de uma fome do tempo, evidenciando-se em permanência o sentimento de escassez crescente do tempo que intensifica.
Esta “busca de maiores rendimentos e do bem-estar material, em que se procura substituir bens económicos pelo tempo”, gera um mecanismo infernal que não parece ter fim.
A “lei de maximização dos rendimentos” adaptada à vida dos organismos ou às sociedades humanas, e equacionada para os fluxos energéticos, funciona hoje “numa escala e com amplitude sem precedentes, afectando tanto os recursos não renováveis como os renováveis”[18] não só em toda a história da vida, mas também na biosfera.
Por oposição aparecem as resistências consubstanciadas numa oposição à aceleração (os movimentos slow opondo-se aos movimentos fast) que vêm promover de dissonâncias entre os que vivem acelerados (induzida pelas tecnologias e tecnoeconomias cibernéticas) e os retardatários.
A busca da felicidade parece ser a responsável por este frenesim. Contudo mesmo os mais optimistas, já transbordando de felicidade, olham com apreensão e resignação para o facto do insistente crescimento económico resultante das infindáveis proezas tecnológicas que contrasta com um sentimento generalizado de insatisfação com a vida. Desta forma, como esta busca pela felicidade parece não ter fim, estaremos condenados a um hedonismo frenético, que é um projecto impossível de consumar. Caminharemos assim, como refere Hornell Hart para a “aceleração da aceleração”, detectando este autor uma “aceleração da mudança cultural em função da mudança tecnológica”[19], chegando a imaginar mesmo que as mudanças tecno-económica se podiam extrapolar para o que chamou da “Era Atómica”. Nem a ciência escapa a esta voragem, duplicando-se em períodos de 10-15 anos desde o século XVIII. É assim certo que “os aceleracionistas, pelo menos no que diz respeito à tecnologia e às facetas mais tecnificadas da ciência, especialmente pela via dos avanços acelerados e hiper-acelerados das tecnologias de informação e de comunicação, estão no auge, e a lei dos rendimentos decrescentes, e mesmo a lei dos rendimentos acelerados, prevalece sobre a lei dos rendimentos decrescentes”.
2)   A salvação pelo progresso tecnociêntifico e tecnoeconómico
Existe uma escola de pensamento que aceita como positivo o crescimento exponencial do conhecimento técnico científico dado que, a seu ver, “o progresso técnico-científico, tecnológico, tecno-económico acelerado compensa e corrige adequadamente todos os danos ambientais significativos que resultam do progresso anterior”[20], uma vez que esta abordagem é resultado do antropocentrismo. Tal acontece porque o melhor “remédio para os danos, acidentes tecnológicos de todo o tipo é sempre mais e melhor tecnologia, mais investimento na pesquisa e desenvolvimento e na sua implementação rápida”[21]. Assim sendo, tendo sido ultrapassado os problemas levantados pelo Club de Roma (esgotamento dos recursos) previsto para a década de 70 e, não tendo tal acontecido pela resolução tecnológica, a técnica deve sobrepor-se ao social ou a política. Houve assim uma “Idade da Substitutabilidade”, a substituição dos recursos naturais escassos pelo avanço tecnológico, o que contribui para a ideia de que “temos de continuar no processo da aceleração”[22], uma vez que adi advém soluções sem fim. Dado o optimismo elevado, pode-se chamar a esta escola um Panglossianismo dinâmico.[23]
A partir desta ideia podemos aferir que o mundo está cada vez melhor devido ao progresso tecnocinentífico e tecnoeconómico acelerado, resultando daí todas as consequências positivas ao nível da economia e da ecologia.
3) O caminho da Singularidade
Aqueles que tem um pensamento sempre positivo e em que o optimismo acerca do futuro não oferece dúvidas, que além do bem estar material, o processo da aceleração e no processo da “aceleração da aceleração do processamento da informação conjugados com outros avanços rápidos” podem ser vistos como gros d’avenir[24] uma vez que “apontam para uma finalidade extraordinária”. Com este “crescimento exponencial do crescimento exponencial”, hiperbólico, das tecnologias de computação, provocam uma mutação inédita que afectará o mais íntimo do ser humano, “para um futuro pós humano, pós biológico, dispensando a inteligência natural e o corpo biológico, ambos obsoletos e superados pela aceleração tecnocognitiva, que se exprime pelo termo «Singularidade[25]»”[26].
O autor é assim da opinião que, os optimistas se encontram perante em dilema e não se deram conta que, numa década, os mesmos processos que levaram ao desenvolvimento generalizado com efeitos no bem estar, passar-se-á do humano ao pós humano., em que o “homenis sapiens”, como ente de carne, sangue e osso, se tranformará em ciborgs, “semiorgânicos e semielectromecânicos, híbridos biocibernéticos, simbioses do Homem e da Máquina”[27]. Esta será a resposta para os herdeiros de uma ciência normal, os antropogénicos, que colocaram toda a sua fé numa ciência supostamente ao serviço do homem.
4.1 População e aceleração
Hermínio Martins sugere que a aceleração nos estudos sociais surge a partir das preocupações de alguns autores, como Malthus, com a questão do crescimento da população humana no século XVII, coincidindo não só com a preocupação entre o máximo e o óptimo, mas também o significado teológico e teodiceico da expansão humana na terra, tendo muitos pensadores notado a “ascenção da temática da futuridade”[28].  É também por essa altura que se verifica um aumento no volume das discussões macrodemográficas passando-se a ter em conta estimativas altamente conjunturais associadas a “visões rivais do destino do homem”[29], consubstanciadas no “duplo incentivo de se considerar o crescimento da população como factor positivo e às preocupações com o excesso da população em relação aos recursos naturais”, ao nível planetário.
Mais decisivo para o autor foi a teoria da evolução biológica pela selecção natural enunciada por Darwin e Wallace, que generalizou a teoria de Malthus a toda a vida animal e vegetal. Walace entendia mesmo ser desejável a extinção das raças inferiores dado que a raça superior evoluiria para níveis de inteligência média cada vez mais altos, proporcionando uma fase em que o homem exerceria uma ascensão da humanidade por acção do próprio, como resultado da sobrevivência dos mais aptos.
Para além do evolucionismo, também o utilitarismo, nascido da teologia natural e rapidamente secularizado, contribui para a civilização tecnológica na medida em que o conceito tende para a “identificação artificial dos interesses de todos”[30] (contando cada um por cada um).  A este conceito está ligado a utilidade que o dinheiro veio trazer servindo como analogia e medida indirecta das transacções comerciais, podendo-se falar num “utilitarismo crematístico”[31]. Igualmente, o conceito de energia acabou por ser um dos grandes conceitos unificadores das ciências até à ascensão fulgurante e generalizada da informação enquanto como grande integrador das ciências humanas. Desta forma, segundo o autor, utilidade, dinheiro e energia “são três formas de rendibilidade psicológica, social, física, da máquina de prazer, da máquina de lucro, das máquinas literais”, mais parecendo uma definição da engenharia da Revolução Industrial.
Assim, a visão leibliziana, “a teodiceia optimista”, inscrita a partir da herança teológica, viu-se reforçada nas ciências humanas e sociais, na economia política e clássica (especialmente na neo-clássica) que incorporou explicitamente o utilitarismo para além de doutrina normativa para as políticas públicas.
A ética gozou também da vantagem de, a partir do utilitarismo, se poder falar em consequencialismo ético, manifesto na valorização de critérios como felicidade e bem estar e satisfação dos prazeres individuais, o que, inclusive, levou alguns autores a procurar, sem sucesso, hierarquizar o sentimento de prazer conforme os estratos sociais.
Para Hermínio Martins, esta “aceitação do utilitarismo ético-político pela economia política neoclássica foi um instrumento importante para a sua matematização e a consolidação do seu individualissmo metodológico”[32], explicando que na análise económica o que conta são as semelhanças entre “indivíduos (Escola de Chicago) e não as variações inter-individuais (Escola Austríaca), considerados como máquinas de prazer”[33].
Hermínio Martins encontra em Keynes um crítico da versão mais sofisticada da demoteologia, segundo o qual, a ideia chave assentou sempre no princípio de que o crescimento populacional e a escassez incentivariam ao esforço mantendo a população “permanentemente no túnel da necessidade económica” para o bem de todos, estabelecendo, este autor que “teríamos de sair deste túnel para conseguirmos uma vida verdadeiramente civilizada”, numa alusão seguidora dos estudos de Malthus.
Também Ricardo, seguindo as teorias de Malthus aplicadas às teorias económicas, chamou a atenção para o facto do crescimento exponencial das necessidades provocar a escassez de terra cultivável. Porém, as teorias económicas mais recentes afirmam que tal preocupação foi ultrapassada porque, em princípio “podemos dispensar os recursos naturais, quaisquer que sejam” porque o progresso tecnológico tudo resolve, na medida em que tudo o que é escasso num dado momento, “todo o capital natural que herdámos, pode ser substituído graças à invenção tecnológica ou tecnociêntífica e, portanto, no caso limite podemos dispensar os recursos naturais na produção”[34], o que nos remete para um mundo pós-ricardiano.
Nesta nova concepção económica, a lei dos rendimentos decrescente é desapossado pela lei dos proventos crescentes da invenção tecnoeconómica, ou lei dos rendimentos acelerados, que com as suas externalidades positivas, especialmente na economia de redes em que os custos decrescem constantemente à medida que a rede de utilizadores se expande, superam todas as desvantagens de qualquer dinâmica de crescimento populacional. Assim, fica ultrapassada a ideia smithiana ainda do tempo da época artesanal de que o “aumento do produto nacional per capita” como factor principal da economia, tendo sido substituída pelo “crescimento económico moderno”[35] em que a invenção técnica, tecnológica e tecno-científica assume uma nova era: “o tecnocapitalismo”[36]. Na nova concepção (Nova Teoria do Crescimento), a invenção torna-se no factor mais importante, uma vez que é a invenção que agora possibilita a “lei dos proventos crescentes”. O crescimento da população assim como as grandes densidades metropolitanas tornaram-se para os demo-optimistas, “um motor da invenção técnica e económica, gerando círculos virtuosos ou sinergias positivas”[37], permitindo que, tal como outrora se imputasse à Providência, agora se consagre que a “aceleração tecnológica vai seguramente acompanhar e superar a aceleração demográfica”. Os impactes negativos antropogénicos esperados no meio ambiente, a biodiversidade, a biosfera e a atmosfera em geral, “detectados segundo técnica fiáveis”[38], foram e serão remediados, “senão mesmos revertidos, por tecnologias cada vez mais eficazes, mais limpas, mais leves, masi sofisticadas, processo que pode a vai continuar sem limites”[39]
O passado demonstra que a ideia de stress ambiental não é por si só “necessariamente calamitoso”[40], mas combina-se amiúde com “conflitos sociais e lutas políticas violentas de origens diversas tornando-se num importante factor co-determinante das calamidades das últimas décadas”. Apesar da crise de recursos dos anos setenta ter sido aparentemente ultrapassada pela invenção tecnológica na Idade da Substitutabilidade “e os ganhos de eficiência energética com o consequente triunfalismo liberal e Panglossianismo acelaracionista”[41], devemos ter presente que “estamos a viver uma crise dos recursos renováveis, de que água potável é o caso paradigmático, que não deverá sofrer soluções tecnológicas ou tecno-económicas do mesmo tipo que as das últimas décadas.
Existe também uma tendência-chave na da tecnologia que, em geral, se orienta permanentemente para “maximalidade tecnológica” com o objectivo de atingir limites, sejam de “velocidade, da potência, da extensão, do tamanho, da intensidade, duração ou domínio de uso duma técnica ou sistema técnico”.
4.2 Aceleração para a singularidade (uma espécie de conclusão)
As transformações tecnológicas colocaram-nos no caminho da singularidade caracterizada por uma mutação absolutamente extraordinária consubstanciada na ideia de que estamos a viver um momento em que as nossas capacidades previsionais foram completamente ultrapassadas, sendo agora insuficientes. Apesar de não ter ficado claro se Von Newmann, autor da cunhagem da expressão «singularidade», queria ou não referir-se à passagem para o pós-humano, a palavra vingou no discurso tecocibernético, tecnofuturista, tecnognóstico, no movimento dos trans-humanistas, dos Extropianos e Singularistas, tendo ganho o interesse dos matemáticos e alguns autores da ficção científica que “pouco a pouco estão a exercer uma certa influência em termos de conceitos e temas, em meios respeitáveis”[42]. É também neste meios que tem aparecido críticas, algumas a proclamar a necessidade de uma “«destoxificação» tecnológica do mundo”, outras com preocupações baseadas em receios éticas, outros ainda “exprimindo os seus receios acerca dos impactos potencialmente catastróficos para a Humanidade”, sendo este último receio ligado à “nanotecnologia que permitiria a fabricação de ferramentas e máquinas ao nível molecular”[43]. Mesmo Lanier que imaginou a expressão “realidade virtual” criticou os pressupostos do projecto trans-humanista como sintoma do “totalismo cibernético”. Contudo a perspectiva essencial do trans-humanismo está directamente ligada ao “sucessor do homo sapiens como sumidade cognitiva, cujo veiculo seria um ente pós-biótico”[44], tendo como elemento principal a forma de melhor abordar os limites do conhecimento científico com vista “a continuação da aventura tecnicocientífica através do espaço e do tempo para além dos limites do orgânico”[45] .
Hermínio Martins explicita o primeiro trabalho sistemático, de índole técnica, “mas claramente inspirado por uma visão trans-humanista”[46] elaborado em 1965 por J. Good em que o autor compara através de vários exemplos técnicos, um modelo do cérebro humano e a computação maciçamente paralela e distribuída, demonstrando dessa forma a “possibilidade de construção de uma Máquina Ultra-inteligente”, uma entidade biomecânica, cujo nível de performance “seria superior a qualquer inteligência humana individual ou a soma de inteligências humanas”[47]. Quase quarenta anos passados a “Máquina Ultra Inteligente” ainda não foi consumada mas continua presente no imaginário recnológico, sendo já assumida pelo trans-humanistas que essa “Inteligência Artificial” irá ser possível dentro de trinta a cinquenta anos.
Nestas mutações entre o humano e o pós-humano surgirá uma questão relacionada com a pergunta “o que é o homem?”. Para muitos trata-se de um pseudoproblema e como tal não é de ser perder tempo. Para outros, como Hume, “a natureza do homem é ser um ser artificial”[48]



[1] Trabalho prático do Mestrado em Sociologia,ano lectivo de 2007/08. Ver: Hermínio Martins e José Luís Garcia (coords.), Dilemas da Civilização TecnológicaLisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2003, 378p.
[2] Ivan Domingues, "Ética, ciência e tecnologia", in Kriteriun Revista de Filosofia in www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-512X2004000100007&script=sci_arttext, acedido em 31.01.2008
[3] Winner, L. "Duas visões da civilização tecnológica", in Hermínio Martins e José Luís Garcia (coords.), Dilemas da Civilização TecnológicaLisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2003.
[4]  Winner, L. "Duas visões da civilização tecnológica", in Hermínio Martins e José Luís Garcia (coords.), Dilemas da Civilização TecnológicaLisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2003, p. 79
[5] Idem
[6] Ibidem
[7] Ibidem
[8] Ibidem
[9] Ibidem
[10] Idem, pag. 81
[11] bidem
[12] Idem, pag. 83
[13] Idem, pag. 84
[14] Idem, pag. 87
[15] Idem, pag. 87
[16] Idem, pag. 88
[18] Pag. 21
[19] Pag. 23
[20] Pag.23
[21] Pag.24
[22] Pag.25
[23] Expressão que encerra a ideia de um optimismo desenfreado e exponencial.
[24] Expressão forjada por Leibniz que quer dizer “Gordos de futuro” numa tradução literal. No fundo Leibniz refere-se à excessiva crença no futuro.
[25] Expressão que define o momento em que já nada podemos saber porque a inteligência já será superior à da nossa espécie.
[26] Pag. 27
[27] Pag. 27
[28] Pag.29
[29] Pag.29
[30] Pag.34
[31] Pag.36
[32] Pag.39
[33] Pag.39
[34] Pag.45
[35] Pag.46
[36] Pag.47
[37] Pag.47
[38] Pag.47
[39] Pag.47
[40] Pag.49
[41] Pag.49
[42] Pag.51
[43] Pag.51
[44] Pag.53
[45] Pag.55
[46] Pag.55
[47] Pag.55
[48] Pag.61