04/08/13

"Novas espiritualidades": uma ciência ecosófica nas redes sociais?

1. No Facebook, pululam como cogumelos, páginas e perfis acerca das novas espiritualidades, terapias alternativas, meditação, budismo, etc.  A tese é aparentemente simples: a nossa sociedade é cada vez mais atraída pelo corpo, pelo material. Ora, segundo eles, essa vida não é a melhor. Falta a vida espiritual, um mundo superior. Para eles, a vida sã é sempre baseada no espiritual e não numa pretensa saúde física, do corpo. O corpo é o espelho da nossa consciência, da forma como gerimos a relação entre a forma, o "ânimo", e a projecção para fora, a "energia espiritual". No limite (e aí têm o apoio da moderna física das partículas), não há corpo físico, não há matéria pura. Tudo, mesmo tudo, é energia.

2. Por outro lado, aumentam os sites onde se fala cada vez mais de corpos e de sexo, um materialismo ligado à recusa da conversa dita irrealista e não científica acerca de alma e espírito. Dizem: as novas espiritualidade são coisas da religião, do foro íntimo de cada um. Não é ciência, é crença!

Estarão certos? Serão, a alma e o espírito, um lixo místico herdado da idade média, algo do foro pessoal ou religioso?
 
3. Para responder a estas perguntas, sugiro uma viagem à origem destas noções.
 
A palavra alma vem do latim "animu", que significa "o que anima", o ânimo. A palavra espírito, por outro lado,  em latim "spiritus" significava respiração ou sopro. A palavra corpo tem origem no latim "corpus", a figura humana, especialmente o tronco.
 
De algum modo, a primeira palavra "alma" remete para o interior. Um corpo movendo-se. A segunda, espírito, é mais do foro exterior, mais perto da saída. O ar entrando e saindo. O sopro.

O corpo seria o meramente estático, a foto, a figura nomeadamente da parte mais volumosa. O tronco.

4. O dualismo actual entre alma/espírito e corpo, defendida pela tecno-ciência moderna, pela medicina convencional e pelos media, tem pouco de científico apesar da sua simplicidade e aparente clareza.

A diferença capital, subinhada pelos pré-socráticos e pelos gregos antigos (ver G. Agamben) era entre ALMA/ESPÍRITO. Foi olvidada em favor da distinção ESPÌRITO(e alma)/CORPO sendo este último considerado a REALIDADE fundamental. O resto não podia ser provado sendo remetido para o reino da crença e da superstição.
A distinção entre a alma/espírito versus corpo somente ocorreu com a atual terminologia judaico-cristã. A visão judaico-cristã sobre almas e espíritos versus corpos herda uma mistificação escrita por um romano, Paulo de Tarso, recentemente convertido a uma seita judaica designada séculos mais tarde por "cristãos". Dois mil anos depois, ainda é aceite, no ocidente, como indiscutível.
Esta distinção falsa teve efeitos históricos terríveis. Com Francis Bacon (ver a forma como adopta de forma adulterada Aristóteles como modelo da ciência), no século XVII, passou a ser a base da ciência moderna, do método dito científico.

 
5. Para muitos cientistas e filósofos, o problema colocado dessa forma dicotómica, adoptado pela parte conservadora da igreja católica como instituição e pela tecnociência, está mal colocado. Em vez disso, e é esse o ponto central das novas espiritualidades, a distinção maior deveria ser entre o espírito e a alma. De algum modo, todo o corpo é espírito. A distinção importante deveria ser entre a energia interior na sua relação para dentro (anima) ou para fora (espírito). Ou seja, entre a alma e o espírito.
As religiões orientais como o budismo já defendiam esta tese há milhares de anos atrás. Ela começou pouco a pouco a ser divulgada pelos cientistas considerados de forma injusta, por muitos colegas, como não científicos, esotéricos, etc. Alguns dos cientistas utilizadores de termos espirituais foram mesmos lançados, eu diria banidos, para o reino do "misticismo" não sendo aceites como sérios: a psicologia de Carl Jung, sociólogos como Michel Maffesoli (o conceito de Imaginário como espírito do tempo), o físico F. Capra e a noção de "teia vital holística",  os biólogos Varela e Maturana com a noção de "sistemas auto-poiéticos e auto-referentes", etc.
Contudo, recentemente estes cientistas espirituais têm tido uma divulgação cada vez mais exponencial na internet e nas redes sociais estando na base de um novo discurso científico, de uma nova ciência espiritual e holística. Ver, como exemplo, os diálogos entre Dalai Lama (o "papa" do budismo) e vários cientistas prémios nobel sobre as afinidades entre o Budismo e a emergente neurociência e a ciência da consciência.
 
 
6. Sendo assim, o conteúdo de muitos perfis e páginas do Facebook ligados às novas espiritualidades, mais conhecidos por New Age, deve ser visto justamente por outro prisma. Como autênticos cientistas ecosóficos denunciadores da mistificação da tecno-ciência moderna. Como novos sábios expulsos, em muitos casos de forma subtil, das universidades e das instituições de investigação. Repetem-se os novos processos de caça às bruxas e bruxos. A nova barbárie.

 
Ver etimologias, na Wikipedia, de "Alma", "Espírito" e "Corpo".

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