18/09/13

Uma conversa ecosófica no facebook: a diferença entre o psicopata egocêntrico e o esquizofrénico

Ver filme "Método perigoso" de David Cronenberg legendado em português

18 de Setembro de 2013

Uma voz no facebook:

O autêntico louco tem a arte de nadar em águas bravas, rir de si mesmo em liberdade e aceitação - um gracioso estado terapêutico. Inversamente o esquizo-frénico facilmente se afunda afastando-se do mundo exterior, muitas vezes, para sempre.

Outra voz no facebook:

Ser esquizo significa ter consciência profunda da nossa divisão, cisão interior e exterior. Ser "frénico" remete para algo que se fecha sobre si próprio, que frena e trava constantemente, a mente, a parte do eu. Não se desfaz mas afasta-se passando a ser chamado de "louco". 

Pelo contrário, a "loucura da normalidade" é, de algum modo, mais astuta. Mas é o autêntico perigo podendo, isso sim, conduzir a um desabar catastrófico em momentos de crise. Se a estrutura rígida do "eu" narcísico se "desfaz", deixando cair a "máscara", nos episódios psicóticos provocados por exemplo pela morte da mãe ou uma outra perda muito dolorosa, pode arrastar tudo atrás dele (ver exemplo dado por Bertrand Stiegler). 

Na verdade, o doente mental perigoso é o neurótico ou psicótico da "normalidade", o psicopata, mulheres e homens dominados ou enfeitiçados pelo mito da competição, da "masculinidade" sem coração e sem autênticos sentimentos, desligados do seu eu profundo, da criança que está dentro deles. Se a  sua máscara cai devido a uma crise profunda, ele ou ela mostram sem  enganos a sua profunda falta de empatia e de sentido da culpa.

No momento de "crise", perante a recordação do seu sofrimento original devido a um progenitor autoritário ou manipulador (ou pais modernos social-porreiros e/ou antigos revoltados que incentivam o narcisismo sem limites dos seus filhos "génios"), ele reage pela violência (física ou psíquica) contra si mesmo, somatizando ou suicidando-se física ou socialmente, ou, na maioria dos casos, contra os outros e a natureza.

Há, contudo, uma ideia feita muito perigosa acerca da importância do feminismo. Ou seja, a ideia muito divulgada nas redes que defende a  condição feminina a partir da diferença biológica.  A dualidade masculino/feminino não deve ser vista de uma forma simplista. Nem todos os homens são manipuladores e nem todas as mulheres são vítimas inocentes. O género sexual não é automaticamente construído do ponto de vista biológico. Na nossa sociedade, é, em grande parte, uma construção social. Contudo, os homens, numa sociedade dominada por valores do patriarcado, tendem ser mais do tipo psicopata violento ou, na sua versão mais limpa, sociais e famosos, sedutores e inteligentes. No caso das mulheres, tendem mais para a histeria, depressão e, nalguns casos, para uma esquizofrenia virada para dentro.

Como diz Arno Gruen,

"a psicopatologia masculina manifesta-se mais por um comportamento associal do que a das mulheres, as quais tendem mais para se empenharem numa luta consigo próprias. Oito vezes mais homens que mulheres recorrem à violência quando já não conseguem lidar com os seus problemas. [...] Por outro lado, há o dobro de depressões entre mulheres e para cima de duas vezes mais mulheres que homens a sofrer de esquizofrenia. 

Em problemas mentais, as mulheres [tendem a ficar] numa luta interior, ao passo que homens, desligados do seu interior [devido ao mito ocidental do poder superior do homem baseado na força e na violência, na violação do outro, do outro feminino e da natureza], levam a luta para fora, desejosos de vingança, esperando encontrar lá a salvação. 

O desenvolvimento que desemboca no psicopata "normal" [narcisista na sua face menos cruel] encontra-se, por isso, muito mais frequentemente, nos homens. O seu mito da masculinidade alimenta uma loucura que se disfarça de saúde mental e cuja perigosidade, por essa razão, não foi reconhecida durante muito tempo" (Gruen, 1995, pag. 173). 

Por isso, não se deve confundir o psicopata da normalidade (maioritariamente do sexo masculino que pode assumir, em alguns casos, a forma do revoltado) com o autêntico esquizo-frénico, na sua maioria do sexo feminino. Estes seres de luz ao largarem o seu lado "frénico" de ego, ou o seu medo do social deixam de ser revoltados fugidíos ou introvertidos, para transformarem-se, pouco a pouco, em revoltados assertivos e auto-conscientes. Loucos criativos ligado ao seu eu profundo e sem medo da sua a-normalidade, sem medo do "estar vivo". Um louco sábio com a "arte de nadar em águas bravas, rir de si mesmo em liberdade e aceitação - um gracioso estado terapêutico".

A psicoterapia integral e holística tem sido defendida, desde há mais de 100 anos, por terapeutas como Gregory Bateson, Carl Gustav Jung, Claudio Naranjo, Félix Guattari, etc, etc. Sugerem que pela via de um renascimento induzido, pela sensação estética autêntica, pelo "amor incondicional", etc podem encontrar o seu caminho que não passa pela integração normalizadora defendida pela psicanálise ortodoxa ou pela psiquiatria oficial (ao serviço da indústria farmacêutica). 

Um aviso: estamos a falar de tipos gerais. Na realidade, podem suceder misturas destas formas mais ou menos puras ou até alternarem no tempo. Podem até ter outros nomes e contextos arquetípicos mas, no essencial, funcionam da forma que sugeri. 

Finalmente, na ecosofia da mente (ver Gregory Bateson e Félix Guattari), também se defende que muitas vezes essa cura pode suceder através de seres humanos (a até animais) que, não tendo um título de terapeuta, são autênticos terapeutas na sua vida quotidiana (muitas mães e alguns pais deste país, felizmente!), sendo a maioria deles do sexo feminino. São os "ecologistas" da alma tal como os que recolhem o lixo da cidade como as garrafas de coca-cola para ganharem alguns euros, vagabundos e pobres, são os ecologistas da cidade, como defendem no Brasil. Muitas vezes sem o saberem, sem ser racionalizado. O mesmo se passa, no plano da cura mental e física, com os curandeiros, por exemplo, dos países latino-americanos. Mas isso é outra história...



Termino com as palvras do psicoterapeuta Claudio Naranjo (1998): "de médico, poeta y loco, todos tenemos un poco"... Y en estos tiempos de deshumanización y violencia, nos es vital la conciencia terapéutica".




Arno Gruen, A traição do eu. O medo da autonomia no homem e na mulher, Lisboa, Assírio & Alvim, 1996.
Arno Gruen, A loucura da normalidade, Lisboa, Assírio & Alvim, 1995.
Claudio Naranjo, "Prólogo", in Guillermo Borja, La Locura Lo Cura. Un manifiesto psicoterapéutico, Santiago, Chile, Editorial Cuatro Vientos, 1998. Disponível em: http://www.cuatrovientos.cl/psicoterapia/locuralocurapr.html acessado em 10 de dezembro de 2012.


Nota

Para entender o método terapêutico de Carl Jung ver o filme de David Cronenberg "O método perigoso". Sinopse do filme: "O fascinante diretor David Cronenberg revela um episódio pouco conhecido mas muito marcante na vida dos dois mais importantes psicólogos de todos os tempos. O jovem psicanalista Carl Jung começa um tratamento inovador na histérica Sabina Spielrein, sob influência de seu mestre e futuro colega, Sigmund Freud. Disposto a penetrar mais a fundo nos mistérios da mente humana, Jung verá algumas de suas ideias se chocarem com as teorias de Freud ao mesmo tempo em que se entrega a um romance alucinante e perigoso com a bela Sabina." Ver em:

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